terça-feira, 20 de setembro de 2011

Quando meu pai morreu...

Quando meu pai morreu, eu queria que ele morresse logo. Aquela agonia, aquele se desfazer aos poucos era uma facada no meu peito. Um dia cheguei na sua casa e ele tinha tirado a barba. Apareceu um rosto magro e cinza. Meu pai estava ainda muito mais triste que no dia anterior. Depois de vinte anos barbudo ele tirou a barba e encontrou outra pessoa. Fiquei com a sensação que aquele tinha sido seu último ato de esperança: quem sabe por detrás da barba ele não estivesse mais jovem, menos doente.

Depois que ele morreu, já no dia seguinte, a sensação ruim da sua ausência era tão grande que eu queria que ele voltasse mesmo magrinho, mesmo sem barba. Um misto de saudade e culpa.

Fiquei ainda um bom tempo com o ímpeto de pegar o telefone e ligar pra ele, fazer um comentário qualquer ou combinar um almoço no dia seguinte. Uma vez, numa festa, chorei copiosamente por que uma amiga abraçou seu pai.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Girassóis

E a moça estava querendo completar seu pedido de desculpas com um buquê de girassóis. Achava a flor significativa, e além disso apropriada para um buqê masculino. Teve a idéia já no fim do dia, na hora de buscar o menino na escola. Foi e voltou, correu para o computador e entrou em diversos sites de floricultura. Arranjos lindíssimos, significados das flores, sugestões para o buquê mais adequado de acordo com seu motivo. Ela descobriu, por exemplo, que para agradecimento pega bem enviar flores do campo, para uma forte amizade deve-se enviar gérberas, se o bebê nasceu, um vasinho de lírios ou rosas em tom pastel; uma paixão arrebatadora deve receber rosas vermelhas. Mas ela queria girassol! Os girassóis estavam em duas categorias: "homens" e "desculpas". A moça acertara em cheio! Buquê decidido e a tentativa de comprar pela internet. Impossível! Para entregas naquele dia só se o pedido fosse feito até as 18h. Olhou no relógio, 18:12h. Não adianta discutir com um sistema. Programa de computador é assim, chegou na hora limite trava, não tem por favor que dê jeito! Já perdendo as esperanças a moça achou que seria melhor descobrir o telefone de uma floricultura por ali pelo centro, já que a entrega deveria ser feita na Lapa, onde Ele trabalha até as 22h. E pelo telefone fica bem mais fácil convencer o entregador a fazer entrega no fim do expediente. Descobriu o telefone da floricultura e ligou:

Por favor, será que vocês fariam uma entrega ainda hoje?
Ih, moça, a loja fecha daqui a pouco...peraí que eu vou perguntar pro Robson.
(a moça imediatamente sentiu a esperança voltar enquanto aguardava do outro lado da linha; Robson era o nome de uma pessoa, certamente uma pessoa sensível por trabalhar numa floricultura!)
Alô, aqui é o Robson, o que a senhora deseja?
Robson, você acha que dá prá fazer uma entrega importantíssima ainda hoje?
Aonde, senhora?
Na Lapa.
Ah, na Lapa dá sim, é aqui bem pertinho!
(a moça sentiu a alegria do Robson em responder que sim. Esse rapaz nasceu pra trabalhar numa floricultura, ela pensou.)
Ai, que ótimo, Robson! Eu queria enviar girassóis. Um buquê de girassois!
Pois não, senhora, o girassol etá muito bonito, a senhora escolheu bem. Quer escrever o quê no cartão?
Como?
No cartão, o quê a senhora quer escrever no cartão?
Ah, sim. ( a moça fingiu que estava achando normal ditar um bilhete de amor para o Robson, e prosseguiu) Para o amor da minha vida...
(e o Robson repetia enquanto escrevia) Pa-ra o a-mor da mi-nha vi-da... Que mais senhora?
Um beijo da Lindinha
Um beijo de quem , senhora?
Lin-di-nha
Ah, sim! Lindinha... (repetiu o Robson com um certo tom de ironia e satisfação) a senhora fica tranquila que daqui a pouco ele vai estar recebendo esse buquê e vai ficar todo feliz!

A moça deu os números do cartão de crédito para o Robson e desligou o telefone felicíssima. Tinha dado certo! Dez minutos depois o telefone toca: ( o Robson tivera a espertesa de pedí-lo no caso de algum problema ou dificuldade de achar o endereço da entrega)

Oi, aqui é o Robson da floricultura, é que o cartão que a senhora me passou tá com algum problema, deu bloqueado.
Ai, Robson, não acredito. Vou ligar pra desbloquear agora.
Mas tem que ser rápido, a loja tá fechando dona.
Nesse minuto!

a moça desligou imediatamente com Robson, a essa altura já um cúmplice de sua empreitada romântica. Ligou pro número que estava atrás do cartão para desbloquear e ficou ouvindo a musiquinha por preciosos segundos. (ela odiava musiquinhas e gravações...como seria bom se tivesse um robson no lugar das atendentes de mentira). Desistiu do cartão e resolveu pedir a amiga que trabalha com Ele que pagasse as flores na hora que chegassem, no dia seguinte a moça acertaria.
Claro, sem problema nenhum, respondeu a amiga.
Ufa! Ela ligou rapidamente para a floricultura:

Resolvido Robson, o pagamento vai ser feito no ato da entrega.
Pela própria pessoa que vai receber as flores? (perguntou um Robson indignado)
Não, né Robson! Assim meu casamento acaba! Vai ser uma amiga que trabalha lá que vai pagar prá mim.
Ah, bom! Então tá , senhora. Tô enviando nesse minuto!
Muito obrigada, Robson, você arrasou!

E a moça desligou o telefone pensando que as pessoas são realmente muito melhores do que uma máquina.

E descobriu quando Ele voltou do trabalho com o buquê nas mãos que os girassóis são mágicos. E que deve ser por isso que o Robson trabalha na floricultura com tanto gosto. Porque os girassóis são mágicos.

Pequeno diálogo sobre a hipocrisia.

Passamos de carro em frente a uma farmácia:
Mãe, porque o nome da farmácia é drogaria?
Porque vende drogas, meu filho.
Sério mãe? Mas droga não é proibido, não é coisa de ladrão?
Algumas drogas são permitidas , meu filho. Servem pra combater uma dor, uma doença. São os remédios.
E a cerveja mãe, também é uma droga?
É , filho.
E serve pra combater alguma doença?
Não, filho.
Porque algumas drogas são proibidas e outras não?
Não sei, filho.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Uma farsa!

A moça é totalmente raribô na televisão. Dá dicas sobre saúde, meditação, faz retiro espiritual, toma suco de luz e o cacete, mas na pizzaria chique tratou mal, muito mal o garçon. Não entendi!

domingo, 11 de setembro de 2011

O brinquedo ganhou da brincadeira

Na escola do meu filho proibiram o futebol. Foi determinado que a quadra só poderia ser usada uma vez por semana para este fim. Nos outros dias nada de bola, pois segundo as coordenadoras/psicólogas/pedagogas acontecia no recreio a "ditadura do futebol". Além das brigas, faltas, olhos roxos e caneladas. E como hoje reina a paranóia do "bullyng", proibiram o futebol as segundas, quartas, quintas e sextas. Só na terça. Se chove na terça fica quinzenal. O garoto reclama, diz que escolheu essa escola por causa da quadra, que desde o ano passado sonha chegar ao terceiro ano para poder jogar na quadra boa, se sente injustiçado. E diz que escola sem futebol no recreio não tem graça nenhuma. Nós aqui em casa concordamos, falamos e demos nossa opinião. Incentivamos o menino a reclamar na escola, reivindicar mais uns dias. Ele reclamou, não deu jeito: deixa filho, as vezes a gente perde. Quem sabe ano que vem? Pois bem, deixamos quieto. Eis que na calada do recreio coordenado, planejado para que as crianças interajam melhor, surge uma nova brincadeira, o bayblade. Trata-se de um tataraneto do pião. "Pião de rico", como disse meu querido cumpadre. Pois bem, meu filho chegou em casa dizendo que precisava ter um bayblade. Todos tem, menos eu. Resisti; costumo ter um discurso social/educativo semi pronto depois que um "tenho que ter" eventualmente surge aqui em casa. Mas ele estava com bons argumentos; diante do futebol bissexto, o pião americanóide era o novo passaporte para o entrosamento no quintal. Sábado pela manhã fomos a loja de brinquedos. Cinquenta e nove reais pelo pião cibernético. Depois do choque, o cheque. Descobri que ficam todos em volta dos brinquedos que rodam num "campo de batalha". Parece mesmo o velho pião. No lugar de um dois três e já, falam uma frase em inglês. Uma semana depois o pião rodou fora do "campo de batalha" e sumiu para todo o sempre.   _Não dá mãe! Tem que ter um campo de batalha!_  Dessa vez resisti. Não vou comprar o terceiro pião em um mês. Vamos ver quanto tempo aguento. Já soube que um amiguinho trouxe nove bayblades da Disney. Outro dia, quando fui buscá-lo, vi um gordinho sentado com um saco cheio dos piõezinhos e a sua volta outros meninos deslumbrados. Era quase um rei, tamanha sua riqueza. Saquei que agora a ditadura era outra, só que dessa vez sem o olho roxo e a canela esfolada, comum a todas as crianças. Agora ganha a brincadeira quem tem o melhor brinquedo.  Que me desculpem as coordenadoras/psicologas/pedagogas. Sou mais o olho roxo.