terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Nós e o Mickey

Sucumbimos. Foi o que pensei assim que terminei de programar a viagem em família a terra do Mikey Mouse. Caímos na tentação de carimbar a infância dos nossos meninos com o passeio que nos coloca oficialmente no rol dos bem sucedidos. Passagens pagas, malas prontas e crianças radiantes. Tudo tem um lado bom.
No dia que chegamos, depois de uma viagem cansativa, fomos ao supermercado abastecer a geladeira do apartamentinho que alugamos. Imediatamente acontece alguma coisa com a gente assim que pisamos na terra de Tio Sam. Uma entidade consumista toma conta do nosso corpo e a gente precisa se controlar pra não comprar tudo o que vemos pela frente. Crianças prevenidas e adultos dando o exemplo, conseguimos sair do mercado apenas com os alimentos, mesmo tendo passado por seções de videogames (onde aliás vi um Atari vintage lindo sendo vendido numa edição comemorativa, mas não comprei), cosméticos e roupas infantis.
No dia seguinte começamos nossa rotina de parques. Fomos de cara no maior e mais famoso, aquele que tem o castelo da Cinderela. Tudo cheio, tudo funcionando, carros estacionando ordenadamente e nós obedecendo todas as regrinhas, andando na mão certa e ficando atrás da yellow line. O grande quis logo ir na montanha russa e o pequeno estava em busca do ratinho mais bem sucedido do planeta. Nos organizamos e começamos a enfrentar as filas quilométricas que pelo tamanho demorariam quatro horas, mas duravam apenas quarenta minutos. Lá eles conseguem numa organização de quem toca o gado, fazerem as coisas funcionarem. No meio da tarde, no horário de pico do parque, nos olhamos, eu e o pai, e imediatamente entendemos o desespero um do outro. Vamos manter a calma, ele me disse. Acho que devíamos parar um pouco e comer, eu respondi. Fomos na nossa primeira lanchonete. São todas iguais, não vale a pena perder tempo escolhendo. Senta e come na primeira que vir pela frente. Um hamburguer gorduroso, uma porção de nuguets, e coca-cola, que é praticamente distribuída de graça.Você compra um copão e vai repondo livremente. Imediatamente após o primeiro lanche você entende porque aquela população é obesa. As crianças são lindas, os adultos uns bagulhos. Com exceção de uma ou outra família, todos estão muito acima do peso. E tome marshmellow! Continuamos a andança pelas filas e brinquedos, alternando momentos de puro encantamento e muito cansaço. No fim do dia uma parada com todos os personagens iluminados, queima de fogos e volta pra casa.
 E o carro? Alguém lembra o lugar onde estacionamos? Ninguém. Um milhão de carros num estacionamento todo uniforme. Me desesperei, e depois de procurar o carro alugado por meia hora em vão, me aproximei de uma funcionária fantasiada de escoteira e com a voz embargada e meu inglês que parou no verbo to be, perguntei como acharia meu carro. Ela imediatamente tirou um mapa do bolso e perguntou a hora que eu cheguei. Munida dessa informação ela apontou no mapa e me disse placidamente: Seu carro só pode estar aqui. Estava.
Chegamos na casinha, fizemos um macarrãozinho com carne moída e salada pra recuperar os sentidos gustativos e desmaiamos os quatro, exaustos.
O segundo dia foi bem mais calmo, fomos num parque mais vazio, conseguimos almoçar num fastfood japa e de quebra encontramos coleguinhas da escola dos garotos, o que os deixou felicíssimos! Tirando uma pequena discussão que eu tive com o Pato Donald que não quis tirar foto com o meu filho pequeno, tudo correu bem. E claro, com o local do estacionamento devidamente anotado. Convidamos a família que encontramos para jantar na nossa casa, fizemos uns cogumelos e tomamos umas cervejas. Estávamos satisfeitos e menos cansados.
 Seguimos alternando dias intensos em parques e outros fazendo compras. Nas compras os brasileiros eram rapidamente reconhecidos, vestidos com casacos da GAP e tênis novos. Parecem pequenos outdoors fazendo propaganda de graça para a loja de departamento. A entidade consumista ataca muito agressivamente quando você entra num shopping e percebe que as roupas custam um terço do que se paga aqui. E tem o jogos de video-game, o laptop, o celular novo, o microfone wireless pro pai cantor, a maquiagem profissional pra mãe atriz, e assim seguimos. A família dos amiguinhos da escola era ótima, e fizemos alguns programas juntos, entre eles um restaurante bom e com preço justo que virou nosso point habitual quando ficávamos com preguiça de cozinhar em casa. Adorei os parques dedicados ao cinema, tivemos um dia gostoso num parque aquático escorregando em enormes tobogãs, o pequeno se encantou com a baleia e os golfinhos enquanto o grande comentou que eles seriam bem mais felizes se morassem no mar. Me joguei de montanhas russas radicais, o pai venceu sua claustrofobia em elevadores do terror e simuladores da Nasa, abraçamos o pateta com vontade para tirar foto e deixar o pequenininho muito feliz, com o sorriso colado no rosto, enfim, éramos quatro crianças! Tudo bem que em determinados momentos aquilo tudo me deixava meio tonta, sobretudo a música do idioma, com aqueles funcionários estressados por trás do sorriso congelado gritando behind the yellow line a cada dedinho do pé que cismava em encostar na porra da linha amarela. No último dia fomos a um parque que fechou três horas antes do previsto, o que deixou o mais velho frustradíssimo por não ter ido a montanha russa que ele mais queria ir. Fomos reclamar no guichê de reclamações, e pausadamente explicamos a situação. O funcionário disse que não podia fazer nada, que a gente deveria ter consultado a internet para ver o calendário do parque com os horários previamente divulgados. Ahn? E a gente gaguejando no nosso inglês de mierda (ai que arrependimento de não ter feito o curso de inglês na adolescência), eu arriscando meu portunhol, que muitas vezes funcionava, até que o pai, já puto, chutou o balde e vociferou em bom português: Olha aqui, eu não falo a sua língua, você também não fala a minha, mas o fato é que eu vim lá do Brasil pra trazer meu filho nesse parque, gastei uma fortuna nos ingressos e vocês resolveram fechar três horas antes e impediram do menino ir no brinquedo que ele mais queria. Você vai resolver isso ou não?  O funcionário entendeu imediatamente, respondeu OK, e nos deu três horas de parque no dia seguinte. Aprendi que o melhor mesmo é ficar puto na sua própria língua. Não tivemos tempo de voltar nesse parque, mas valeu a história.
A sensação que dá durante toda a viagem é que tudo é uma mentira muito bem contada, com exceção da alegria das crianças, essa de verdade. Além de altíssimas doses de cafonice. Nada é mais cafona do que as princesas da Disney. Como eu agradeci por ter dois meninos durante essa viagem!
No último dia resolvi passar no supermercado do início, atrás do Atari vintage que eu exemplarmente não comprei no primeiro dia. Tinha acabado. Burra eu. Tenho muito que aprender sobre consumo, aproveitar o momento da compra. No aeroporto, fazendo o check-in da volta, despachamos as malas. Três no total. A atendente da Cia aérea perguntou. Só essas? Sim, eu respondi. E ela chamou outras três funcionárias para verem um caso inédito. Quatro brasileiros para três malas. Eu, metidérrima respondi: viemos nos divertir, não fazer compras. Mas bem que eu queria aquele Atari.