domingo, 14 de abril de 2013

Aquilo tudo


Era feriado, uma chuvinha. E ela estava ali, tentando cada vez mais estar ali. Naquela sala um pouco arrumada um pouco bagunçada. Ao fundo a trilha de Luzes da Cidade, que o pequeno, que já vai fazer três, assistia estático no sofá vermelho. O sofá vermelho está um pouco gasto. Mas ela não quer um sofá novo. Quer ir à Paris. Tão linda a carinha dele vendo o Vagabundo. Dá até vontade de chorar. Então ela chora. Uma chatice, tudo agora ela chora. E deu pra chorar escondida, porque já não sabe explicar o motivo. Aquela sala. Aqueles meninos. Aquilo tudo. E era tanto pensamento espremido na cabeça. Era melhor ler um livro. Então ela pega o livro de capa amarela que ganhou naquele dia, naquela festa. Foi tão boa aquela festa. E ela chora só mais um pouquinho. Ontem ela encontrou aquela amiga na calçada. A que foi sua mãe na temporada do Planalto. Tão querida ela. E  fala rapidinho, dois beijinhos, um abraço apertado. E a pressa da vida. E já no tchau, antes de entrar no taxi, a amiga fala: eu descobri que a felicidade é uma escolha e resolvi ser feliz.
E ela voltou pra casa pensando nisso.

(out/2012)

De manhã

E ela acorda atordoada. De novo o mesmo pesadelo. Acho que outro, parecido com aquele. E ela não quer mais o mesmo assunto, o mesmo pensamento, mas ele vem mesmo assim. E ela se levanta, lava o rosto e espera que aquela nuvem se desfaça ali mesmo, na pia. Não se desfaz. Então ela disfarça. Que é pra não chover no molhado como ele diz. Mas não adianta. Ela está afogada na poça. Ele não entende. Acha um exagero tanto sentimento. Coisa à toa e ela até hoje com essa aflição. Tanta coisa pra fazer e ela com essa aflição. Tanto trabalho, tanto café, tanta criança, tanta conta pra pagar e ela com essa aflição. Um exagero transbordante de quem não tem problemas de verdade. Ela queria um alívio que não fosse a fumaça. Queria uma magia qualquer. De novo ele não entendeu. Então ela segue. Controlando a chuva que encontra ela sozinha e  teima em cair, molhando o estofado do carro novo.

(out/2012) 

Onde tudo é azul


   E aí vem um susto.
 E acontece bem do jeito que a gente imaginava que seria.
 E ainda assim é um susto. 
 Porque a gente pensa que sabe, mas não sabe.
 Porque acha que é forte e não é.
 E essa mania de querer saber.
 De achar que a verdade é um lugar seguro.
 E agora? E a raiva? E o medo?
 Sei lá o que eu vou fazer.
 Porque tudo que eu imaginava que faria, eu não fiz.
 Não tive vontade. Achei clichê.  
 E agora fico assim, tonta, perdida.
 E triste. Um nó no peito. Um ponto fixo.
 E meus devaneios que me levam a lugares piores ainda. 
 Quero voltar pra lá.
 Onde tudo é azul e bate só uma brisa.
 Onde eu fecho os olhos e durmo. 
 Onde aquele beijo era só meu.

 (set/2012)