sábado, 15 de outubro de 2016

Vendem-se aplausos

Estou aqui, impregnada de aplausos e fazendo as contas do mês. Ah, se eu pudesse contabilizar cada palma. (ou se eu pudesse me desvencilhar desse vício) Essa noite tive um devaneio enquanto voltava pra casa depois do espetáculo: aplauso era moeda, era valor. Dava pra aplicar na vida prática. Aquele som, aqueles rostos satisfeitos enquanto as mãos batem umas nas outras, aquele bravo que de vez em quando alguém solta. Eu chegaria na escola das crianças e entregaria embrulhado um punhado de aplausos da temporada do início do ano. Já garantia seis meses de mensalidade. Os aplausos do filme, no final da sessão de estréia, serviriam pra fazer a feira. A minha participação foi pequena, mas daria para umas frutas fresquinhas e legumes orgânicos. E poderíamos ainda ir guardando pequenas surpresas que uma temporada pode reservar, para juntar todas no final do ano e viajar com a família, conhecer o mundo. Eu iria à Paris depois de quatro aplausos em cena aberta e ainda ia sobrar um pouco pra tomar uns bons vinhos (aplauso em cena aberta não é moeda fácil). Aquele abraço apertado, de alguém do público que nem te conhece mas te espera na saída só pra dizer que gostou muito, daria pra comprar lençóis novos, pois os antigos eu perdi na mudança. Boas críticas encheriam meu guarda roupa de vestidos coloridos ou quem sabe um sofá novo. E a noite de ontem, com tanta gente querendo entrar, ingressos esgotados, e o público de pé aplaudindo até a mão doer quitaria meu aluguel, adiantado, até meados de 2017. Mas não. Aplausos enchem a alma não a barriga. E é assim, cheia, repleta, que eu vou seguindo. Sempre. Quase desistindo. Sempre. Há vinte e cinco anos, um amor e dois meninos.

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