domingo, 16 de abril de 2017

Banho

Ela já separava o lixo, economizava energia e captava água da chuva para regar o jardim.
Estava conectada a novas possibilidades de se relacionar com o planeta, era uma mulher do seu tempo.
Mas o banho era um problema.
Estava com muita dificuldade de abrir mão daquele banho demorado.
Habituada a resolver grandes questões debaixo do chuveiro, enquanto a água morna escoava pelo ralo. Desde pequena, lembrava-se. Desde sempre.
Os banhos intermináveis da infância , entre espumas e cantorias.
A única palmada que levou, por causa de um banho sem fim.
E cresceu, ficou moça, se apaixonou, sofreu de amor.
Tudo debaixo do chuveiro.
Quando virou mãe, ansiava por esse momento de solidão. O banho.
Trancava-se naquela caixa de vidro e lavava cabelos, olheiras, leite, cicatriz.
 Quando o pai morreu. Quando o amor balançou. Era no banho que chorava.
Agora precisava derramar-se em outro canto, sem desperdícios.
Sem diluir as lágrimas em água nenhuma. Deixá-las evidentes, escorrendo. Fazendo um caminho salgado no rosto, que às vezes até arde no vento.
Lavaria-se à seco
Estava pronta para economizar água e transbordar emoções.


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